sábado, 19 de dezembro de 2015

Considerações sobre a relação pais-bebês

Lucilene Sander*

O período de final de ano é geralmente marcado por reflexões, balanços sobre o que aconteceu ao longo do ano que finaliza e também por picos de sofrimento entre pessoas que estão emocionalmente fragilizadas. É que somos seres sociais e relacionais, precisamos da companhia, do afeto e da compreensão de outros. No entanto, muitas vezes não se tem isso ou se tem superficialmente, ou ainda, se tem com dificuldades. Por quê? Uma possível resposta é: por que as relações afetivas são construídas, exigem cuidados, sendo que muitas vezes são vistas como naturais.
Na relação pai-mãe-bebê isso não é diferente e há diversas teorias psicológicas que tratam do assunto. A critério de exemplo, já na primeira metade do Século XX, Jhon Bowlby estudou e publicou sobre o desenvolvimento do apego na relação mãe-bebê** e o impacto do seu não desenvolvimento; Donald W. Winnicott publicou sobre o desenvolvimento de mães suficientemente boas e não suficientemente boas, sobre o adoecimento emocional de mulheres pré e pós-parto; Jacob Levy Moreno considerou a capacidade de cuidado emocional da mãe com o bebê como diversa e tebdo impactos na configuração familiar, inclusive falou do desenvolvimento dos papéis de mãe e pai; Lev Vygotsky abordou a influencia da história, da cultura e do meio social sobre o desenvolvimento da relação e do cuidado com os bebês. Enfim, há outros tantos teóricos na Psicologia e outras áreas que, mesmo com diferentes conceitos e compreensão filosóficas, possuem alguns pontos em comum: todos consideram que a relação afetiva, o vínculo, o apego, o amor dos pais com o bebê é um processo, é desenvolvido, não é naturalmente incondicional (como se fosse algo que se tem desde sempre). Entramos aí na velha e ainda atual discussão sobre o mito do amor materno...
Iniciada por Elisabeth Badinter, essa discussão considera a existência de relações de opressão da mulher nos discursos que abordam o amor materno como naturalmente existente e incondicional, uma vez que essa forma de pensar nega as situações de sofrimento que muitas mulheres vivenciam no processo de gestação-parto e nascimento e qualificam como má a mulher que tem dificuldades no cuidado ou na vinculação com seu bebê. Além disso, também desqualifica as mulheres que não querem, não conseguem ou tem dificuldade para engravidar, afinal, compreende que seus corpos são feitos para reproduzir e esse é o desejo principal de todas as mulheres, se não, há um desvio. Essa opressão também é vivenciada de diferentes formas pelos homens que podem, por exemplo, serem excluídos do processo por esse ser visto como naturalmente de responsabilidade da mulher.
Outra característica comum e importante das teorias é que todos, em alguma medida, consideram o histórico de vida da mulher e as relações afetivas e sociais dela como facilitadoras ou não do desenvolvimento da relação com o bebê.
Qual a importância disso?
Ao entendermos que a relação dos pais com seus filhos é construída e não algo existente naturalmente desde sempre, homens e mulheres podem respirar aliviados e sair de um ciclo de culpa por encontrarem dificuldades na relação com a gestação ou com o bebê. A partir disso, sabendo que a maternidade e a paternidade não são necessariamente ou sempre um mar de rosas sem espinhos, também podem pedir e buscar ajuda em relação às dificuldades.
Outra contribuição é que também as equipes e os profissionais de saúde que acompanham a mulher, o casal ou a criança durante a gestação, parto, pós-parto imediato, puerpério e demais fases podem repensar práticas de atenção, suporte e apoio para facilitar o desenvolvimento do vínculo nessas relações. Nesse sentido, existem diversos estudos (deixei links de alguns ao final do texto) que comprovam que práticas de humanização na atenção da saúde pai-mãe-bebê são mais eficazes na promoção do vínculo nessas relações, tem consequências importantes na saúde física e emocional da família e especificamente no desenvolvimento do bebê. Aqui cabe ressaltar que também há estudos que comprovam que o parto humanizado, seja ele cirúrgico-cesáreo ou normal, também facilita o desenvolvimento vincular entre mãe-bebê. No entanto, é consenso que o parto normal humanizado ainda se sobressai como mais facilitador em função da liberação natural de hormônios e neurotransmissores que estimulam a recepção positiva do bebê, pelo envolvimento e vivência ativa no processo de parto e nascimento, pelo incentivo à amamentação poder começar mais cedo, pela disponibilidade física da mulher no pós-parto imediato, uma vez que não precisa se recuperar da anestesia e não está em um processo pós-operatório, bem como outros fatores. Desse modo, a atenção afetiva e sincera da equipe de saúde, bem como o processo e via de parto podem facilitar a vinculação pai-mãe-bebê.
Além disso tudo, ao saber que é importante dar suporte para homens e mulheres no desenvolvimento de suas relações com o bebê, a família e a comunidade podem se aproximar dos pais, formar redes de suporte, troca de experiência e afeto (o que por sinal é um dos objetivos do Gesta!). Então, que tal aproveitarmos essa época do ano, que é tão convidativa para balanços e para se ter relações mais próximas e afetivas, para repensarmos práticas e sermos mais afetivos, compreensivos conosco e com os outros, principalmente com gestantes, pais e mães que estão desenvolvendo suas relações com seus bebês e filhos? Vamos facilitar o desenvolvimento de vínculos emocionais e relações afetivas saudáveis?


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* Psicóloga graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestra em Desenvolvimento Regional pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná, professora de Ensino Superior e Psicóloga Clínica.
** Embora historicamente os autores e autoras da Psicologia focassem a mãe, atualmente a Psicologia também considera a relação pai-bebê, compreendendo que essa também é significativa na configuração familiar e no desenvolvimento emocional do bebê. Além disso, também se fala da relação cuidador-bebê, em função da multiplicidade das configurações familiares.


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