segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Parto domiciliar assistido: abandono científico e tecnológico?

     Casos recentes tem trazido à tona discussões sobre Parto Domiciliar e, enquanto grupo que se propõe difundir informações sobre parto, gestação e temáticas relacionadas, queremos contribuir com a construção de conhecimento sobre o tema.

     Algumas perguntas para nos provocarmos:


  • É permitido escolher por um parto domiciliar?
  • Quem pode escolher?
  • Quem acompanha ou deve acompanhar um Parto Domiciliar? Parteira/o? Doula? Enfermeira/o? Médica/o?
  • Parto Domiciliar é menos ou mais seguro que Parto Hospitalar?
  • Por que as famílias estão buscando o parto domiciliar?

     Bem, a Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza como direito reprodutivo que  a mulher ou a família escolham se desejam que seu(s) filho(s) nasçam no contexto doméstico, por meio de um Parto Domiciliar ou hospitalar. Nisso, muitos já podem se posicionar de forma contrária, sim, mas vamos avançar um pouco nessa discussão?

     Primeiramente, a OMS e nós aqui também, estamos considerando a realização de um Parto Domiciliar planejado, assistido por uma equipe de profissionais capacitados. Este deve seguir protocolos de segurança e, o primeiro ponto a ser respeitado é: a gestação deve ser de baixo risco ou risco habitual

     Existem outros aspectos no Parto Domiciliar a serem considerados também, tais como:

     - Local: O Parto Domiciliar deve ser realizado próximo a uma unidade hospitalar que garanta vaga para a mulher e o bebê, caso seja necessária uma transferência, e com um meio de transporte adequado para ambos.

     - Equipe: A equipe deve ser especializada e experiente neste tipo de serviço, pode ser composta por médica/o obstetra e/ou enfermeira/o obstetra e/ou obstetriz devidamente habilitados e registrados. Leia aqui. As equipes procuram prestar assistência em 2 a 3 profissionais como recomendado na maioria dos países e pelo menos um desses profissionais deve ser especializado em reanimação neonatal. 
   No Brasil existe um hospital do SUS, que disponibiliza equipes para atendimento de parto domiciliar, é o Hospital Sofia Feldman de Belo Horizonte MG, é referência em atendimento obstétrico de qualidade e humanizado, para saber mais clique aqui.

     - Estrutura: A equipe deve contar com todos os equipamentos, materiais e medicações necessárias para a realização do parto de baixo risco e para poder intervir de forma segura em possíveis intercorrências, garantindo a saúde de mãe e do bebê e possibilitando a realização de uma transferência segura para o hospital em caso de necessidade.

    - Plano B: Quando ocorre uma intercorrência no trabalho de parto a gestante deve ser  transferida para o ambiente hospitalar e atendida por um medico obstetra, pois deixa de ser um quadro de baixo risco. É muito importante que a parturiente possa contar com um obstetra que esteja ciente das suas escolhas e que esteja de prontidão para a atender, comumente é o profissional que a acompanhou no pré-natal.

     - Apoio: A doula por sua vez, como já afirmado em outros textos aqui do Gesta Pato Branco, é um profissional habilitado para dar apoio físico e emocional a parturiente, no entanto, não é habilitada a realizar procedimentos técnicos. Ou seja, pode integrar uma equipe durante um Parto Domiciliar, assim como no hospitalar, mas jamais realiza qualquer intervenção invasiva ou seja Doula não faz parto.
 
    Sobre a segurança em Partos Domiciliares e Partos Hospitalares planejados e de baixo risco, há o texto da médica obstetra PhD Dra. Melania Amorim, clique aqui, que é bastante pertinente. Ele compara diversos estudos nacionais e internacionais. As conclusões mostram que o risco é próximo em ambos os contextos de parto (por exemplo, risco de óbito fetal/neo natal de 0,15% em Partos Domiciliares e 0,18% em Partos Hospitalares).

    De acordo com bibliografias da área, muitos são os motivos que levam famílias a procurar por um parto domiciliar. Evitar a violência obstétrica e pediátrica é o principal fator. Os partos hospitalares, na grande maioria das vezes, ainda são marcados por intervenções muitas vezes desnecess
árias, e, portanto não humanizados. Algumas práticas que, se rotineiras, desrespeitam a fisiologia e o protagonismo da mulher são:

  • Obrigar a parturiente a ficar deitada, sendo indicado ter liberdade para se movimentar, tanto para alivio das dores quanto para uma evolução mais rápida e favorável da dilatação;
  • Privação de água e comida; 
  • Obrigar a gestante a ficar em litotomia (deitada de costas) durante o período expulsivo (descida do bebê), sendo essa a posição mais desfavorável para nascimento;
  • Uso rotineiro de ocitocina sintética, que aumenta muito os relatos de dor e o risco de sofrimento fetal;
  • Realização de episiotomia (corte na vulva e períneo) a qual gera danos e é desnecessária em um parto bem conduzido;
  • Manobra de Kristeller (na qual uma pessoa pressiona e empurra com o antebraço a barriga da gestante a fim de "ajudar" o bebê a nascer), totalmente desnecessária, não recomendada pela OMS, pelo Ministério da Saúde e abolida em muitos países, por estar relacionada a danos à mãe e ao bebê;
  • Afastamento do recém nascido da mãe;
  • Corte precoce de cordão umbilical, privando o bebê de receber o sangue que estava na placenta e fará falta principalmente no primeiro ano de vida;
  • Procedimentos agressivos e desnecessários no recém nascido;
  • Não cumprimento da lei do acompanhante;
  • Violência verbal e psicológica. 
(Apenas citamos algumas intervenções desnecessárias, para saber mais sobre parto humanizado clique aqui.) 


   A bibliografia sobre Parto Domiciliar planejado aponta que este permite que a parturiente se sinta mais à vontade e acolhida com a presença de pessoas que ela quer (sem a restrição de apenas um acompanhante). Tamb
ém registra um numero menor de intervenções desnecessárias, pois as equipes costumam adotar praticas humanizadas  e respeitar a fisiologia do nascimento. Além disso, há menos casos de infecção, uma vez que os microorganismos presentes no ambiente domiciliar são habituais durante toda a gestação, então o bebê nasce adaptado a eles. Esses são outros fatores que pesam na escolha de famílias pelo parto domiciliar. 

    Vale lembrar que o Brasil possui um índice elevado de cesarianas desnecessárias e realizadas precocemente e fora do trabalho de parto, com altas taxas de prematuridade iatrogênica (bebês retirados do útero antes do tempo).


    O que se percebe é que a escolha e decisão por um Parto Domiciliar não depende unicamente do desejo da gestante ou família por ter critérios de segurança e de equipe a serem respeitados. Assim, a realização de um Parto Domiciliar não renega conhecimentos científicos ou quaisquer profissionais da saúde. Ao contrário: depende sobremaneira destes para ser tão seguros ou mais do que partos hospitalares. Infelizmente, não há risco zero em qualquer um dos contextos.

    Às gestantes e famílias que desejam um Parto Domiciliar, a recomendação é seguir protocolos de segurança, buscar muita informação e profissionais habilitados, capacitados e com experiência.

Para ler:
Parecer do Cofen sobre o recente caso de Ponta Grossa clique aqui.
Textos para entender melhor sobre parto domiciliar clique aqui.

Fonte da imagem: http://anapaulabatista.com.br/index.php/parir-sorrindo-uma-historia-de-parto-domiciliar/